segunda-feira, 5 de julho de 2010
Uma Visão Atual da Wicca
Vivemos numa época de constantes e rápidas mudanças. Ao contrário dos nossos ancestrais, que passavam suas vidas numa espécie de realidade previsível, estamos expostos todo o tempo a influências muitas vezes originadas em pontos muito distantes, mas que nos afetam na medida em que o mundo se transformou numa enorme aldeia, como já previra MacLuhan.
Apesar dessas transformações e mudanças externas, existem coisas que ainda são imutáveis, graças aos Deuses. O pensamento moderno, acostumado a conviver com alterações constantes, passou a crer que todas as coisas, tanto superficiais quanto profundas, estão sujeitas do mesmo modo a essas mudanças. Tornou-se uma necessidade humana promover transformações. Mas há coisas que não podem ser tocadas por nossa vontade, e essas coisas são, entre outras, as Leis da Natureza que a tudo regem. Podemos conhece-las, mas não podemos alterar-lhes o fluxo. Coisas como o nascimento, a morte e o eterno ciclo das estações, são realidades imutáveis. Mesmo cientificamente falando, qualquer incursão no terreno das leis físicas, aproveita suas marés pré-existentes. Tanto a magia quanto a moderna física, embarcam na corrente do rio existencial para utilizar do seu poder.
A Wica tem sido transformada nos últimos 40 anos. Por diversos motivos, ela tem sido adulterada: uns dizem que para melhor e outros dizem para pior. Tais motivos são conhecidos de todos os modernos wicans, e só para falar de alguns, podemos enumerar o afastamento progressivo das tradições e dos ensinamentos antigos, a auto-iniciação, o puritanismo judaico-cristão de muitos novos convertidos, etc.
Meu propósito neste artigo não é o de falar sobre essas mudanças e seus motivos. Mais importante do que tudo, é procurarmos compreender a visão ancestral da bruxaria, desse antigo rio que desaguou na Wica. Se a Wica tem se tornado uma religião distorcida e superficial, precisamos procurar na sua origem seus verdadeiros fundamentos. Esses fundamentos nos reportarão a princípios primitivos, pois a bruxaria é uma religião primitiva, não no sentido de conhecimento menos complexo ou inferior, mas no sentido de antigo, primordial. Já era praticada no período Neolítico e sua antigüidade pode ser observada em muitos de seus ritos. Como sabemos, a Wica é uma religião que usa a magia como meio de expressão. A magia é empírica, utiliza-se de uma seqüência de ações e procedimentos práticos, sendo que no seu exercício, o poder flui por determinados canais energéticos que precisam ser alimentados. Infelizmente, hoje em dia, muitos desses ritos de grande poder foram substituídos por simulacros ou ritos simbólicos.
Nos últimos anos, tenho erguido uma bandeira incansável no sentido de conscientizar os neo-wicans da necessidade de conhecer os ritos antigos e de praticá-los corretamente. Este artigo pretende mostrar a necessidade de um retorno às práticas ancestrais, porque é através delas que o poder se manifesta.
Os modernos wicans, ao negarem ou desconhecerem os antigos ritos, abriram mão do poder. Isso é deveras lamentável, e tornou a Wica uma religião superficial justamente naquilo que é uma de suas bases importantes: a magia. O que temos assistido é a uma brincadeira colorida e festiva. Muitos wicans só conhecem os ritos religiosos que estão descritos no Livro das Sombras, desconhecendo completamente os fundamentos existentes além deles.
Antes de falarmos sobre alguns desses ritos tão antigos, precisamos perguntar a nós mesmos se estamos determinados a realiza-los ou não. Em caso negativo, devemos procurar descobrir o que nos impede de faze-lo. Muitos bloqueios morais estão inseridos nessa recusa, muitas vezes inconscientemente. Se nos propomos a seguir uma religião pagã, necessitamos estar cientes de que seus padrões morais e éticos são totalmente diferentes daqueles das religiões ortodoxas. A essência da Arte pode parecer nova para muitos dos recém convertidos, que assumem uma postura de intransigência com relação à aceitação de seus princípios e valores. Entretanto esses valores são tremendamente antigos e não existem por acaso. Eles estão inseridos num contexto e nega-los porque nossos condicionamentos não os aceitam é abrir mão de uma gama tremenda de poder ancestral.
Isso algumas vezes se torna bastante perigoso, como eu mesmo tenho presenciado em diversas oportunidades. Algumas vezes, os poderes invocados e levantados no círculo comparecem e precisam ser alimentados com certos tipos de energia que não tem sido mais utilizados pelos modernos wicans. Como não podemos explicar a esses poderes que agora esses ritos são feitos apenas simbolicamente, eles não receberão as energias devidas, mas de qualquer forma vão absorve-las de outra maneira, porque estão lá para isso. As conseqüências podem ser percebidas desde o surgimento de pequenos problemas de saúde até perigosos distúrbios no sistema nervoso central: em primeira instância, são problemas que afetam a aura do praticante, por onde a energia vital é drenada, e que não sendo detectados, terminam por se transformar em doenças físicas.
Do mesmo modo, as energias dos próprios praticantes necessitam ser repostas, realimentadas, o que implica num conhecimento bastante específico. Como o próprio Dr. Gerald Gardner mencionou em seu livro Witchcraft Today, nossos corpos “transpiram” o poder. Assim, precisamos saber perfeitamente por onde esse poder é transpirado, o momento certo para projeta-lo e o momento certo de retê-lo. Em contrapartida, também precisamos conhecer as técnicas de fechamento e proteção, pois do mesmo modo como as energias são exteriorizadas por nós, também podem ser absorvidas. E não é nada interessante absorver uma carga de energia negativa.
Naturalmente que todos esses cuidados só são imprescindíveis quando os praticantes realmente lançam corretamente o círculo e sabem invocar os Guardiães.
Existem muitos materiais que são utilizados nos antigos ritos como canalizadores do poder. Essas substâncias são transmissores e receptores naturais de energia e possuem um poder intrínseco. Devido ao seu poder peculiar, podem absorver, canalizar e projetar energias. Entre as principais, temos: sangues de todos os tipos (animal, vegetal e mineral) e pós feitos com matéria orgânica e mineral. A questão do sangue na Wica é muito controvertida e a maioria dos wicans afirma que ele não é usado. No entanto, em determinados rituais, não existe substituto possível para ele. Não existe nada mais forte, mas os Mistérios do Sangue estão quase que completamente esquecidos.
Durante muitos séculos, os ritos sexuais desempenharam um papel preponderante na bruxaria, uma vez que estão intimamente ligados aos poderes da vida, da morte e do renascimento. Qualquer rito iniciático não é válido sem a presença dos Mistérios Sexuais, bem como dos Mistérios do Sangue. Entretanto Grande Rito tornou-se hoje uma pálida e inexpressiva paródia. Pode ser muito bonito mergulhar um punhal numa taça, mas o poder não está nessa farsa. Qualquer wican devidamente iniciado e que tenha realizado o Grande Rito real, sabe que no seu arremedo simbólico não existe uma canalização de poder semelhante. A maioria dos covens modernos deixou de praticar os ritos dos Mistérios Sexuais.
Ninguém mais ouve falar dos ritos de confirmação da liderança sacerdotal, realizados a cada sete anos. Esses ritos só podem ser presenciados por iniciados de 3*. Atualmente, por desconhecimento talvez, os ritos foram substituídos por um simples juramento no círculo. Mas o poder pessoal precisa ser alimentado devidamente, o que não é mais feito. Tal cerimônia encarrega-se de restituir as energias do Alto sacerdote ou Alta Sacerdotisa, decorridos os sete anos. Como no rito iniciático, essas energias são canalizadas através de substâncias vitais para as quais não existe substituto.
Covens tradicionais (Gardnerianos e alguns Alexandrinos), continuam a praticar esses ritos. Eles são transmitidos pela tradição oral, nunca foram escritos em nenhum lugar. Os Anciãos que ainda detém esse conhecimento preservam-no muito bem. Um bom exemplo, é encontrado no antigo ritual de imobilização, também conhecido como rito de atar. Tenho lido algumas descrições bastante superficiais dele, omitindo partes importantes e imprescindíveis, pois tais detalhes não devem ser publicados. Os ensinamentos dos anciãos nos dizem que somente bruxos iniciados devem realizá-lo. O propósito desse rito é neutralizar influências negativas ou perniciosas vindas de outras pessoas. Começa-se fazendo uma boneca que representará a pessoa, se possível utilizando pedaços de roupa usadas por ele ou ela. De acordo com a natureza do rito, a boneca será feita e utilizada na fase lunar propícia.
A primeira recomendação é que a boneca seja confeccionada com materiais naturais, já que são melhores. Lã, algodão e seda são melhores do que materiais sintéticos. A maioria dos wiccans já teve experiências com materiais sintéticos e constataram que eles não proporcionam uma ligação energética satisfatória. Muitos fazem uma boneca de malha ou crochê, pois enquanto ela é preparada, visualizações e mentalizações reforçam o propósito da magia a cada ponto da costura. Quando a boneca é confeccionada, costuma-se incorporar qualquer objeto que pertença à pessoa que ela representa, tais como cabelo, pedaços de unhas, uma fotografia do rosto para ser colocada na cabeça da boneca. Como podemos perceber, a identificação com a boneca deve ser a nível real, ou seja, energético. Seguindo os ensinamentos do velho caminho, no mínimo um homem e uma mulher devem realizar o rito. O segredo é encenar o chamado “nascimento”, ou seja, transmitir vida à imagem. Isso pode ser feito utilizando-se substâncias como o sangue menstrual, sêmen, saliva, etc., seguindo-se a uma dramatização do parto, assistido pelo homem. Quanto mais real o rito melhor, e o ideal é que o casal possua uma forte ligação íntima, como parceiros de coven. Essa é a parte principal do rito, que termina com a amarração da boneca dentro da máxima concentração e visualização.
Como podemos perceber, materiais orgânicos são excelentes transmissores do poder. Nos ritos de iniciação, por exemplo, são os vários tipos de sangue que possibilitam a transmissão da ancestralidade. Esta só pode ser passada pelo sangue, que é o veículo de transferência em todos os rituais que envolvem morte e renascimento.
Para compreendermos a necessidade da realização dos rituais da maneira correta, podemos fazer uma analogia interessante entre o rito real e o simbólico. Por definição, símbolo é um elemento ou objeto material, que por convenção arbitrária, representa ou designa a realidade complexa. Quando invocamos determinados poderes no círculo, eles desconhecem completamente nossa visão arbitrária e representativa da realidade. Eles esperam obter o poder e as energias específicas, necessárias para a execução do rito. Se o rito é simbólico, seria o mesmo que convidar você para um jantar, servindo somente fotografias dos pratos em lugar das comidas. Algo bastante frustrante. Como pessoas civilizadas, podemos até compreender e rir de tal procedimento, mas tais poderes não tem esse senso de humor. Em magia precisamos lidar com as energias reais, e não com convenções. O poder precisa fluir, não é uma opção facultativa e dependente dos nossos caprichos.
Outro ponto importante, é aquele que se refere ao Chamado do Deus nos círculos de Wica. Essa cerimônia tem sido descartada sistematicamente, uma vez que envolve uma nítida expressão sexual. Infelizmente não posso entrar em muitos detalhes, mas nos covens que ainda seguem o velho caminho, o Sacerdote ou alguém por ele escolhido, serve de veículo para a canalização do poder do Deus em seu aspecto de Senhor da Fertilidade. Evitar esse rito e utilizar-se de substitutos simbólicos não é recomendável, uma vez que a essência divina do Deus de Chifres não fluirá através da pessoa escolhida.
Na Chamada da Deusa dá-se a mesma coisa, embora a intensidade da manifestação sexual não seja tão visível, por motivos óbvios. Entretanto os procedimentos iniciais necessitam ser realizados em ambos os casos, já que é a energia sexual que canaliza o poder. O canal de acesso do poder divino no círculo é aberto do seguinte modo: através da ativação dos nossos centros de poder, canalizamos energia que, junto com o estímulo sexual ativa nossas glândulas endócrinas, gerando mais poder. A nossa energia tende a subir pelos centros, até o centro da cabeça, abrindo-o. O poder da Deusa e do Deus flui por ele, preenchendo o corpo, mente e espírito do sacerdote receptor. Assim falando pode parecer simples, mas essa prática necessita de um treinamento árduo e penoso, a partir do 2*, ao menos na BTW. Qualquer bruxo da velha escola sabe que, ao estarem preenchidos pela essência divina, os sacerdotes exteriorizam esse poder, e o modo mais forte é através do sêmen e das secreções vaginais.
Outros ritos que foram marginalizados pelos modernos wicans são aqueles centrados nos Mistérios da Transformação, cujo veículo principal é o crânio. Poucos covens na atualidade sabem como utiliza-lo corretamente e a maioria deles nem mesmo possui um. No entanto o crânio é importantíssimo como elemento de ligação com a nossa ancestralidade.
Todas estas informações poderão parecer chocantes para muitos dos modernos wicans, mas observando a situação atual da Wica, vemos que, embora ela seja uma das religiões que mais cresce no mundo, tem sistematicamente perdido muitos de seus fundamentos. Inegavelmente não se pode aprender Wica através de livros, principalmente se os autores veiculam suas idéias próprias a respeito da religião e não possuem uma ancestralidade definida. Infelizmente, muitos dos modernos wicans tem seguido as versões de autores modernos, como Starhawk e S. Cunningham, que na verdade não podem ser observadas como padrão da realidade. Ao mesmo tempo, presenciamos a uma total falta de respeito com relação aos anciãos, que passaram a ser vistos pelos novos wiccans de igual para igual. Inegavelmente que esses anciãos são detentores de grandes conhecimentos, que devido a essa postura, são lamentavelmente perdidos.
Esses poucos exemplos nos mostram o quanto é importante procurarmos estabelecer um contato mais íntimo com os conhecimentos antigos. Embora seja corriqueiro afirmar-se atualmente que o Dr. Gerald Gardner “criou” a Wica a partir de diversas fontes, na verdade o conhecimento ancestral adquirido no coven de New Forest não foi negligenciado. Todo o conhecimento dos Mistérios Sombrios wicans foi devidamente resguardado pela tradição oral. Cabe aos modernos seguidores da Religião resgatá-los e preservá-los para que não sejam totalmente esquecidos.
por Mario Martinez
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Excelente texto do Alto Sacerdote Gardneriano Mario Martinez. Aliás, todos os textos escritos por ele são excelentes.
ResponderExcluirExcelente texto do Alto Sacerdote Gardneriano Mario Martinez. Aliás, todos os textos escritos por ele são excelentes.
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