Comparada com outras divindades do panteão africano, o orixá feminino iorubá Yemanjá é uma figura extremamente simples. Se formos verificar o número de amantes que teve Iansã, os problemas que a precipitação e a passionalidade de Ogum lhe trouxeram, os conflitos de Oxóssi desrespeitando tabus, o afastamento social de Ossâim, a rejeição que sempre sofreu Omulu-Obaluaiê, a perda traumática do poder pela qual passou Nanã e a vida variada e prazerosa que busca Oxum, a figura de Yemanjá pode parecer até parte de outra comunidade. Ela é próxima paz e da ausência de conflitos, em oposição ao mundo colorido, rico e até mesmo selvagem dos outros, pois representa uma figura em muitos termos passiva. Ela é uma das figuras mais conhecidas nos cultos brasileiros, com o nome sempre bem divulgado pela imprensa, pois suas festas anuais sempre movimentam um grande numero de iniciados e simpatizantes, tanto do Candomblé como da Umbanda. Às vezes festas para outro orixá feminino, Oxum, são confundidas pela mídia como cerimônias e comemorações para a própria Yemanjá. Por ser ligada ao patriarca Oxalá,, Yemanjá é valorizadíssima nos cultos, principalmente nos que se afastam dos costumes tradicionais africanos e do candomblé, conservadores. Conceitos como bem e mal, por exemplo, não existem nas visões originais da África. A hierarquização dos orixás, tentando estabelecer uma ordem entre mais e menos importantes faz sentido para uma religião que hierarquiza Deus, santos e outras categorias menores (chegando a detalhes como mártires, beatos e etc). Mas não faz o mínimo sentido numa cultura aberta e descentralizada como a dos Africanos. As submissões de um orixá ao outro são várias e nunca formam uma casta que transfira poder de um para o outro, mas sim existem vinculações por área: na metalurgia e na guerra, todos devem subordinar-se ao especialista Ogum; na maternidade, às especialistas Yemanjá e Oxum, etc. Cada um é o mais importante para o filho-de-santo deste ou daquele orixá e é o mais importante num determinado quesito, em específica situação. A única exceção para isso é o respeito que todos delegam à figura de Oxalá, o patriarca, mas não é uma questão parecida ao respeito que se deve ap patriarca de uma família por sua longevidade e história. Pelo sincretismo, porém, muita água rolou. Para Oxalá ficou reservado o lugar de Jesus Cristo, fazendo-o ser considerado o mais importante – não por uma relação de família e de papel social perante ela, como no original, mas pela hierarquia própria cristã. Para Yemanjá foi reservado o lugar de Nossa Senhora, sendo, então, artificialmente “mais importante” que as outras divindades femininas, o que foi assimilado em parte por muitos ramos da Umbanda. Mesmo assim, não se nega o fato de sua popularidade ser imensa, não só por tudo isso, mas pelo seu caráter, principalmente, de tolerância, aceitação e carinho. É uma das rainhas das águas, sendo as duas salgadas: as águas provocadas pelo choro da mãe que sofre pela vida de seus filhos, que os vê se afastarem de seu abrigo, tomando rumos independentes; e o mar, sua morada, local onde costuma receber os presentes e oferendas dos devotos. Na África a sua origem é um rio que vai desembocar no mar. De tanto chorar com o rompimento com o seu filho Oxóssi, que a abandonou e foi viver escondido na mata junto com o irmão renegado Ossâim, Yemanjá, se derreteu, transformando-se num rio que foi desembocar no mar. É a mãe de quase todos os orixás de origem iorubá (com exceção de LogunEdé), enquanto a maternidade das figuras daomeanas é atribuída a NanãBuruku. Yemanjá seria filha de Olóòkun, deus (em Benin) ou deusa (em Ifé) do mar. Em uma das histórias de Ifá ( O deus da adivinhação) ela aparece casada com Orunmilá, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei de Ifé, com o qual teve dez filhos. Apesar de preceitos tradicionais relacionarem tanto Oxum como Yemanjá à função da maternidade, pode estabelecer-se uma boa distinção entre esses conceitos. Oxum é a mãe no sentido da fecundação, gestação e criação do bebê. É a responsável pela fertilidade dos homens e das mulheres, pela nutrição do feto e pelo parto. Ela é a guardiã da criança até que esta passe a demonstrar sinais de independência, como o falar por exemplo. Quando podemos perceber qual é o orixá de cabeça da criança, ela deixa de ser responsabilidade de Oxum. Passe então a ser cuidada pelo se orixá e genericamente por Yemanjá. Esta, por sua vez, é mãe daí por diante, recebe a função da maternidade não no sentido de gestação, mas de educação. É a mãe dos homens crescidos, sendo freqüente o fato, nas lendas, de a envolverem com incesto, tendo sido inclusive violentada por uma dos seus filhos. É portanto a mãe do complexo de Édipo, do potencial reprimido sexualmente e socialmente. Nos templos tradicionais, é cultuada como esposa de Oxalá, mãe de todos os Deuses. Reina sobre “todas as águas do mundo” , doces e salgadas, seu nome significa “mãe dos filhos peixes”. Ela usa o Abebé, leque redondo como cabaça, que representa a fecundidade, e a espada que, recortando na matéria das origens, separa e multiplica os seres permitindo o nascimento dos indivíduos únicos. Sua dança lembra o movimento das ondas, fala de fluidez, de distribuição, de germinação, constantemente renovada. A Yemanjá são dedicados tradicionalmente todos os presentes colocados no mar. É a padroeira dos marinheiros, estendendo-se essa proteção a praticamente todos os seres viventes, já que é a Grande-Mãe do astral, o que faz com que sempre seja invocada na cerimônia do “bori”, mesmo quando o iniciado não a tem nem como eledá (primeiro orixá da cabeça) nem como ajuntó (segundo orixá).
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